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1 – A pré-venda desta obra literária será realizada entre os dias 1 de outubro a 1 dezembro;
2 – A partir do dia 1 de dezembro, a editora conclui o projeto gráfico e envia os pedidos para a gráfica responsável pela impressão dos livros;
3 – Os envios começam a partir do dia 8 de dezembro. O cliente é avisado do envio pelo email cadastrado no ato da compra;
4 – O cliente pode solicitar reembolso do valor investido na pré-venda até o dia 30 de novembro.
A ordem real declara a missão: impedir o fim do mundo.
Um jovem é encarregado de descartar uma entidade, aprisionada em uma garrafa, lançando-a em um poço infinito. Com esse fardo, ele atravessa paisagens devastadas e realidades ancestrais, enfrentando seres grotescos, sociedades ruídas e os próprios limites do corpo e da mente.
Ao longo da jornada, a linha tênue entre certo e errado se rompe com a influência de sua prisioneira. O que antes parecia uma simples entrega se revela um teste profundo de consciência e identidade. Em meio a criaturas medonhas, traições e delírios, o emissário se vê dividido entre o dever e a dúvida sobre tudo o que aprendeu.
Uma história sobre manipulação, sacrifício e a dolorosa liberdade de pensar por si. Um mergulho incômodo em uma prisão que ultrapassa os limites de um mero recipiente de vidro. Cabe ao portador do fim lidar com as adversidades no caminho, e o peso moral que carrega.
Corinthiano com h e desenhista. Escritor é só mais uma face.
Alguns me chamam de artista. Mesmo assim, sobrevivo em um mundo dominado pela inteligência artificial.
Se você se identifica e se indigna, então faz parte da resistência.
Subgênero: Fantasia Sombria
Páginas: 389
Autores: Lucas Quincoses
Formato: 15 x 21cm
Acabamento: Sem laminação
Miolo: Pólen 80g
Edição: 1ª Edição
Capítulo 1
A corrente lhe marcava o pescoço.
Pesava como um colar espesso, encurvando o rapaz. A bagagem nas costas também o empurrava abaixo, desenhando a silhueta de um corcunda.
A franja castanha, desgastada pela viagem, emoldurava os olhos arregalados. Em oposição ao estado do cabelo, o nariz ximbé e as bochechas lisas se preservaram bem. O rosto sem marcas entregava uma jovialidade.
O garoto franzino encarou a garrafa turva, suspensa na altura do peito. A corrente, que passava por sua nuca, chacoalhou até o gargalo. Mantinha o jarro preso ao portador como um pingente robusto.
De dentro do recipiente, alguém perguntou:
— Não sabe onde estamos?
A criatura se distinguia como uma figura feminina. Sua pele carmesim se misturava com a cor amarronzada do vidro, assim como o cabelo longo e volumoso. Poucas faixas cinzas a envolviam como uma escultura de madeira enrolada em ataduras. Os olhos amarelos e sem pupila se assemelhavam às luas da colheita. A cauda leonina ia de um lado a outro em lentidão. Uma predadora que conhecia sua presa.
— Acho que perto — o jovem respondeu, sem olhar a prisioneira dentro do invólucro transparente.
— Então não me peça ajuda — a cabeça inclinada e as mãos atrás temperavam as palavras —, grande peregrino.
Ele se atentou ao local. As trevas predominavam salpicadas por pedrinhas brilhantes em ciano espalhadas no breu cavernoso.
— Se continuar assim, morrerá. E ficarei perdida em um buraco qualquer.
Mais uma vez a ignorou. Depois de alguns dias de viagem, as tentativas de desestabilizá-lo se explicitavam mesmo que não parassem.
— Não me peça ajuda!
— Silêncio — ele pediu.
Ela riu e sentou de pernas cruzadas.
Mesmo com a quietude do local, nenhuma pista se revelou. O menino passou a mão no chão arenoso e fariscou como um cachorro. Nada de pássaros, insetos, rastro ou folhagem. Apenas as pedras brilhantes dispostas como estrelas isoladas no chão.
Nem sol, nem lua. A noção de tempo se fazia tão eficaz quanto o pensamento de água em um deserto. Poucos ciclos atrás, vales, florestas e cachoeiras enfeitavam a visão do rapaz. Naquele momento, apenas a escuridão da caverna sem início ou fim.
Após algumas olhadas, ele suplicou ao único ser presente, mesmo que significasse uma rendição no jogo de orgulho.
— Pode me dizer? — olhava a frente, sem contato visual.
— Dizer o quê?
Prestou sua atenção à miniatura escarlate com as celhas retas e pálpebras baixas
— Onde estamos?
— Não tenho um mapa — ela o lembrou.
O carcereiro respirou fundo e trouxe o pingente de vidro perto do rosto.
— Me diga onde estamos, por favor?
Com as bochechas salientes e sacudindo os ombros, a pequena acatou.
— Ah, agora sim. Pelo que parece, você entrou na Gruta do Estrangulado. Um viajante experiente saberia.
Ele abaixou o jarro na altura do peito. A boca semi-aberta marcava sua expressão. Suas pernas exibiram um leve tremor. As mãos suaram após fechá-las com força e o peso nas costas encurvou ainda mais a coluna.
Ouviu sua companheira interagir como uma felina à espreita.
— Volte, Raika — olhou acima e encostou a mão no vidro como se tocasse direto no peito dele —, diga que me roubaram. Me solte, ninguém saberá. — a voz soava como uma carícia em um cobertor de lã.
Ele reagiu. A postura de um filhote perdido mudou como se água fria o atingisse de baixo a cima.
— É Raca. Erre, a, ce, a — o jovem carcereiro pronunciou cada letra com pausas. — A cabeça é pequena demais para memorizar?
— Minha cabeça pequena reconheceu o lugar. Raika, foi o nome que eu ouvi da boca dos velhos carcomidos.
— Então limpe o ouvido, demônia.
O apelido desarmou os ombros da criatura, que o encarou.
— Podre! Não errei de propósito. Mesmo que tivesse, devolvo na mesma moeda. Até hoje, não me chamou pelo nome.
Erguendo uma sobrancelha, Raca diminuiu a baixaria.
— Não sabia que demônios tinham nome.
— Me chame de Aruna, saco de carne!
Assentindo, ele iniciou uma caminhada lenta.
— Pois bem. Agora que nos apresentamos, voltaremos ao silêncio.
Os olhos dela se reviraram. A esclera preta cobriu as luas douradas. Seu gesto imitando um fantoche com a mão foi a única resposta.
A escuridão ainda oprimia o andarilho. As pupilas dilatadas delataram o sofrimento de alguém que cresceu em um vilarejo ensolarado. Andava perto dos cristais com luz própria como a sinalização de uma trilha. Os pedregulhos se amontoavam conforme o avanço, mas ainda não se enxergava com clareza. Como uma mosca atazanando, Aruna importunou outra vez.
— Raca, hein? Nome estranho para um pele lisa.
— Você, apontando algo estranho? — a monotonia cessou. — Pensei que enxergasse o próprio reflexo na jarra.
A cauda voltou no balanço lento e uma de suas covinhas subiu.
— Na verdade, eu o elogiei. Não acho que combina com você.
— Como assim? Por parecer nome de menina?
Com a testa encostada no vidro e olhar distante, ela alfinetou.
— Tudo remete a gênero pra vocês? Não, não é sobre isso, é o significado que me estranha. Parece que seus pais não te estimavam muito.
As sobrancelhas dele se atraíram. Escolheu sanar uma dúvida ao invés de retrucar.
— O que significa?
A engarrafada empinou o nariz. Sua expressão lembrava a de um caçador observando uma armadilha em ação.
— Nunca te contaram? Fico constrangida de revelar.
A caça da vez apressou o passo como se fugisse da conversa. A predadora avançou.
— Antes tarde do que nunca. Raca é o resto, aquilo que não importa, que não faz a mínima diferença. Aquela parte podre, de qualquer coisa, que não serve pra nada. Pelo menos é o que aprendi na antiga língua de seu povo.
O silêncio permaneceu. Ainda no ritmo acelerado, ele fez questão de seguir a via luminescente e deixar que o assunto morresse. Mas Aruna não deixou a conversa falecer sem uma resolução.
— Curioso, porém, a forma que te chamei antes, que os velhos te chamaram. Raika signifi…
A parada repentina e o puxão nas correntes balançaram a garrafa. Raca a encarou.
— Sua imunda!
A prisioneira expressou uma descoberta. Franzindo as pestanas e erguendo uma das narinas ela deu uma, duas, três fungadas equiparada a um urso farejando um banquete.
— Sua insegurança fede a medo — provocou-o.
Ela adicionou um sorriso afiado à afronta. Estendeu o pescoço em direção ao gigante sem mexer o resto do corpo, simulando uma cobra preparando o bote.
Os músculos faciais dele amoleceram junto com a mão que segurava a corrente. Soltou o vasilhame que bambeou como um pêndulo.
A pequenina se equilibrou enquanto ria sem emitir som. Avacalhou depois que sua morada transparente estabilizou.
— Não me culpe. Culpe os seus pais.
O peregrino estralou o pescoço, bateu os calcanhares e espanou a poeira em seu poncho. Passou as mãos pela corrente e ajustou-a como um mero adereço, ainda que pesada. Seus dedos enroscaram nos poucos elos que continham cadeados avulsos.
A cativa não se moveu durante o ritual de arrumação. Ficou com os caninos à mostra como um rei esperando pelo próximo truque de um bobo da corte.
Com a postura recuperada, ele lhe dirigiu a palavra.
— Sei o que pretende, demônia. Não vou te jogar longe, nem quebrar a garrafa — Subiu a pupila ao nada e andou.
Aruna levantou uma sobrancelha antes de falar.
— Essa maldita não quebra, já tentaram flecha, espada e machado. Até de um penhasco eu caí — olhava o vazio —, por isso é estranho me deixarem com um dente de leite, depois de tantos guerreiros e anciões.
Raca engoliu seco.
— Não sou tão novo assim — gesticulou com os braços abertos. — E eu dou conta. Cheguei na gruta, certo? A menos que seja mentira sua.
— Não. Se você se perder eu também me perco. E se você morrer aqui, não se sabe quando me encontrarão. Enlouquecerei. Devo te manter vivo, criança.
— Jamais te encontrariam aqui.
— Ah, pode demorar, mas sempre me acham. Já me tiraram até do oceano. Talvez quando se tornar um careca, banguelo e barrigudo, algum pele lisa como você me encontre. Eu ficaria feliz em revelar a sua covardia, de me abandonar, aos seus filhos e netos.
Balançando a cabeça de um lado ao outro, ele reiterou.
— Não se preocupe. Farei do jeito certo e finalmente teremos paz.
— Sei. Conheço bem a paz dos carnais, guerreiam entre si, geralmente em troca de ouro. Mas contra nós, fazem de graça.
— Em breve você não terá que se preocupar com isso. Acabarei com todos os seus problemas. E com todos do mundo.
— Você? O resto? Não se dê tal importância. Foi o que mais sofreu pra chegar até aqui. A fome apertará sua barriga, o frio congelará seus ossos e o sono apagará seus pensamentos. Eu te disse onde está. Sem mim, ainda rodaria em círculos. Você não enxerga no escuro e não sabe o caminho. Quando perceber a morte te tocando, solte-me. Eu te conto a saída.
Raca olhou o chão. Espremeu a visão na direção das pedras que desenhavam uma via. Juntas em um montinho de terra, as gemas afiadas transmitiam sua própria luz.
— Posso não ter sua visão noturna, mas minha cabeça ainda é maior.
Envolveu alguns cristais com a mão. Puxou, mas não veio, como se raízes os prendessem. Firmou os pés e pegou com mais força. O fôlego escapava igual aos dedos escorregadios. O montinho de terra chegou ao limite abaixo dos minerais, mais um tranco e seria o suficiente. O último puxão foi efetivo, então subiu com a recompensa luminosa.
O punhado de terra se desfez em quatro patas. Um monstrinho ornamentado por cristais no dorso se contorceu. O quarteto de dentes pontiagudos furou a pele macia na base do polegar, por cima e por baixo, enquanto unhas compridas rasgavam o restante. A cauda se enrolou no pulso fino até que os dentes e as garras terminassem o serviço.
O garoto puxou o ar e desabou sobre seus pertences. Enquanto berrava caído, desferiu murros no chão como se o braço fosse o corpo de uma marreta e o bicho fosse a massa de ferro fundido. A criaturinha afrouxou o rabo e abriu a boca já no chão. Ainda viva, silvou com o focinho escancarado. A vítima se arrastou com a mão em retalhos.
Ficou de pé e observou outros conjuntos de cristais emergindo. Vários foram embora enquanto ele dançava com o novo amigo. Os poucos remanescentes se juntaram à causa de seu semelhante e emitiram o mesmo silvo.
Sem titubear, correu. A velocidade contradizia o peso que carregava. Vislumbrou a retaguarda e viu os brilhos azuis bem longe. Mesmo assim, continuou.
A gargalhada de Aruna superava os espasmos vocais de Raca. Usou os pulsos e secou a lacrimação. Em alguns momentos, bateu na base do invólucro refletindo seu humor em uma ação violenta. O desespero dele funcionava como alimento à hilaridade dela.
Depois de um tempo, ele parou. Se certificou de nenhum perigo por perto.
Na escuridão total, tateou os arranhões feitos na maior parte da mão. Houve pouco protesto, mas ao chegar nos músculos antecessores ao polegar, ouvia-se um grunhido involuntário. A região pulsava forte, uma bola de inchaço crescia, o fedor de ferida banhada a saliva subiu. Lágrimas trouxeram um choro bem baixinho, interrompido por soluços. Ao apertar a bola carnal com a proporção de um limão, líquidos vazaram pelos quatro furos. A quantidade de lágrimas aumentou.
Naquela altura, Aruna não ria mais. Cobrindo a boca e mirando a mão ensanguentada, testemunhou a tentativa fracassada do menino em conter a choradeira. Os olhos incandesciam no escuro como se a visão saciasse a sua vontade.
— Eu consigo ver, está horrível, talvez você morra de infecção.
Nenhuma resposta inteligente nem argumento auto-afirmativo daquela vez.
— Isso apodrecerá, pouco a pouco, posso cauterizar — a voz da engarrafada se tornou mais estridente enquanto batia no vidro. — Me solte, agora! Vamos! Enquanto tem tempo, podre!
O andarilho apalpou a bolsa de couro amarrada na cintura. Demorou a desatar os nós com uma mão só. Tirou o bico de madeira com os dentes e bebeu um pouco de água antes de despejar mais um terço no ferimento. Assim que o líquido tocou a carne, ele puxou ar com os dentes cerrados e se contraiu. Se secou com o poncho e desistiu de amarrar o odre de volta, encaixando em um dos vários bolsos de sua calça.
— Vai se arrepender enquanto gangrena por inteiro! — ela apontou com um sorriso no rosto.
Levantando, Raca enxugou as lágrimas. Os pontos fulgentes e carnívoros pareciam meros vagalumes estáticos. Por sorte ou acaso, a fuga o levou ao caminho certo. Diferente do primeiro rastreamento, encontrou algo. Talvez pela ausência dos cristais, um feixe de luz se destacou.
Identificou um reflexo na parede. Mesmo antes de chegar no destino, havia claridade o suficiente. Virando na esquina que irradiava o feixe azulado, a fonte se revelou.
A luminosidade que causava o reflexo na caverna vinha de centenas de cristaizinhos plantados na terra. Em um andar inferior, disfarçados de joias, os monstrengos enterrados se espalhavam pela enorme galeria natural. O terreno irregular o desafiava a pequenas escaladas em plataformas e saltos em vãos. Estalactites de todos os tamanhos se estendiam pelo teto.
Mais adiante, notava as primeiras estruturas não naturais que presenciou em tanto tempo. Escadas esculpidas de forma lateral em uma muralha, davam acesso a um andar superior. O que esperava na grande plataforma após os degraus não era visível. O raio de visão dele fixou no canto como se pudesse se esticar até o andar elevado.
Nada parecia familiar. A forma como os degraus se dispunham, os entalhes na parede e estruturas tortas, indicavam uma cultura diferente.
Respirou fundo após observar os diamantes no chão. Seus lábios tremeram ao mesmo tempo em que recolhia a mão machucada.
Aproveitando a iluminação abundante, verificou o estrago. O inchume do tamanho de uma tangerina murcha adquiriu a cor roxa. Os quatro furos coagularam junto com os arranhões. Ele girava o pulso perto dos olhos quando ouviu um ruído vindo da botelha. Aruna contemplava as marcas no braço dele. Segurando a risada na garganta, produziu um som áspero.
O peregrino se desfez da bagagem. Trouxe a frente um casco de tartaruga, tão grande que serviria de berço se ficasse em posição fetal, desprendendo uma cinta que juntava o objeto às suas costas. A carapaça ia, desde a nuca, até a dobra dos joelhos. Os polígonos imitavam a mesma cor de seu poncho azul-marinho, cada um esculpido com uma espiral quadrada. Assim que o colocou no chão, os polígonos assumiram o cinza do terreno como um camaleão.
Se despiu de uma trouxa, gorda, guardada pelo casco. Abriu os laços com dificuldade e enfiou o braço a fim de tirar uma bandagem amarelada.
Permaneceu mudo enquanto fazia o curativo. Lançou olhares ligeiros à Aruna que não disfarçava o deboche. Cada vez que ele a via, seu nariz enrugava, as bandagens se apertavam e o sangue borbulhava nos buracos. No jogo de orgulho, a cativa ganhou a melhor de três.
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