Livro Físico
R$ 65,00
Disponível por encomenda
Lucas nunca soube o que é liberdade — apenas o que disseram que era.
Desde sempre, acorda na mesma sala escura, paredes fechadas, uma TV que mostra um mundo distante demais para ser real. Às vezes, chega comida. Quase sempre, chegam experimentos.
Ninguém fala com ele. Ninguém explica por que ele está ali.
Até que um dia, algo falha. Uma brecha se abre.
Lucas descobre que existe um lá fora — mas logo entende que nem tudo é como os programas de TV prometeram.
Agora, preso entre a promessa de liberdade e o medo do desconhecido, ele precisa escolher: vale a pena viver num mundo que não conhece — ou morrer no único que entende?
E se a maior prisão não for as paredes, mas aquilo que o espera além delas?
Guilherme nasceu no Rio de Janeiro, mas foi em São Paulo que aprendeu a enxergar a realidade de perto — e a transformá-la em palavras. Desde criança, encontrou na escrita fantástica um refúgio, mas também uma lente para mostrar o mundo como ele é — ou como poderia ser.
Suas histórias misturam fantasia e realidade, exploram sentimentos profundos e questionam as estruturas que moldam a sociedade. Para Guilherme, escrever é dar forma ao que é invisível, é costurar sonhos, dores e reflexões em cada página.
Este livro é mais um passo de sua jornada: um convite para sentir, imaginar e, quem sabe, transformar.
Subgênero: Fantasia Urbana
Páginas: 320
Autores: Guilherme R. V. Alves
Formato: 15 x 21cm
Acabamento: Sem laminação
Miolo: Pólen 80g
Edição: 1ª Edição
VIVO
Abrir os olhos era um esforço pesado demais.
O canto dos pássaros era um dos poucos alentos diários. Um feixe de luz mentiroso, como se irradiado pelo sol, teimava em entrar pela janela. Tratava-se de um modesto quadrado que ajudava, mas não resolvia, a sensação claustrofóbica gerada pelo ambiente.
Lucas estendeu a cabeça. Deparou-se com as paredes metálicas de sempre e os pés envoltos por um cobertor de tecido leve.
Levantou-se com o esforço de quem carregava uma rocha nas costas. Sentiu um cheiro de perfume campestre que saía de uma fumaça lançada pelas pequenas frestas da janela. Era como um animal enjaulado perto de seu habitat natural.
A função daquilo era de animá-lo de alguma forma. Um boi não pode sentir que vai para o abatedouro ou isso influencia na qualidade da carne. Com Lucas, não era tão diferente, embora mantê-lo vivo fosse mais interessante para seus algozes.
Lutando contra as pernas tão firmes quanto gelatina cutucada, atravessou o modesto quadrado que representava seu quarto.
Encontrou ao chão uma bandeja coberta por um cloche. As costelas expostas refletiam a fome que gritava surda em seu estômago. Permitiu que os lábios abrissem um sorriso na expectativa de uma iguaria desconhecida, porém sua mente era incapaz de projetar uma miragem que fosse.
Caiu por cima do cloche ao tentar se ajoelhar. No entanto, não houve desperdício. Tudo que havia ali era poeira como uma superfície abandonada há anos. Ele era a encarnação do próprio abandono, por sinal.
Já estatelado ao chão, viu-se refletido na tela de uma televisão de tubo no chão, um dos poucos objetos existentes ali no quarto. Sua aparência era a de um esqueleto gritando por socorro, enlouquecido para descansar eternamente debaixo da terra.
Não queria mais levantar. A escassez de líquidos no corpo o impedia até mesmo de chorar. Fechou os olhos e sentiu o chão frio, até que o silêncio por chuviscos.
A TV ligou sozinha. Não, alguém o fez. Isso acontecia de vez em quando. Sabia que logo alguma coisa sem sentido apareceria.
Então a curiosidade o pegou. Os olhos se abriram e ansiavam por alguma imagem de esperança. Só esperava que não viesse nada sobre comida. Tudo o que não precisava era um embalo para sua fome extrema.
Então veio a cena de uma mulher falando como se cantasse uma melodia. Dirigia-se a um homem.
“— Meu amor, eu te juro, pela doçura da lua que agora banha esta terra com seus raios, que te amarei para além do crepúsculo dos tempos. Assim, nossa história terá um desfecho feliz!”
Lucas imaginava o que seria o tal desfecho feliz, pois jamais tivera qualquer noção daquilo na própria vida. O confinamento era um opressor da esperança.
O casal projetado na tela, no entanto, entendia aquele significado. Uma encenação piegas, mas que refletia o sentimento entre ambos quando se aproximaram para um beijo. A distância máxima que Lucas teve de algo foi da própria cama ou da terra, a única atriz disponível para que ele beijasse alguém naquele momento.
Um novo esforço permitiu que ele usasse a pouca força dos braços para se erguer. Sentiu os joelhos cedendo ao ficar como um quadrúpede. Apressou-se para se arrastar à parede diante da TV. Ali se assentou de costas, abraçando os joelhos em posição fetal.
O propósito de se concentrar na cena ficou distante. Não havia posição confortável. Uma dor percorreu sua espinha como um trem seguindo pelos trilhos. Até que uma alfinetada lhe atingiu o peito.
O coração batia como um tambor desritmado. O corpo desfaleceu, tombando para o lado.
Ele gemeu, a visão contemplando um líquido amarelo tomando conta do lugar. O único som naquele aposento era o de um distante murmúrio na TV, além de uma breve manifestação verbal.
— De… novo…
Encontrou novamente a cena na TV. O homem segurava a mulher em seus braços, já pálida e sem reação. Gritava seu nome sem nome: “Julieta”. Mas a resposta era só a do próprio eco.
O homem pegou um líquido no chão. Gentilmente deixou a mulher ali e se apropriou do conteúdo. Quase instantaneamente, caiu ao seu lado. O amor marcava presença entre eles, tanto quando vivos e naquele instante, mortos.
Uma lágrima sorrateira finalmente escapou dos olhos do garoto. Foi então que constatou algo importante: a esperança ainda residia ali, afinal, os mortos não choram.
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