Enquanto a terra bebia o sangue de inocentes, Lily dormia.

Acima do vilarejo Manvoe, uma fumaça negra raptava as estrelas. Não havia nada de valor na comunidade de pescadores, mas por algum motivo, figuras encapuzadas espalhavam o caos e a morte. 

Os habitantes ofereceram pouca ou nenhuma resistência diante da brutalidade inimiga. Corpos se amontoavam no chão e poças vermelhas refletiam as casas em chamas.

Alguns arkhons do Quinto Círculo estavam ali de passagem. Colocaram-se no caminho dos invasores sigrius para atrasar a incursão. Assim, davam a oportunidade para que pelo menos mulheres e crianças escapassem.

Dentro de uma das cabanas, o pesadelo continuava. Restos de móveis se espalhavam no cômodo principal junto a cacos de vidro. Uma criança tremia no canto. Kiera carregava a irmã ainda bebê enrolada em um pano cheio de furos. Apertava-a forte contra o peito a cada estrondo que rompia. Os gritos que perfuravam as paredes eram o prenúncio do que lhes aguardava. 

Uma luz quente e bruxuleante atravessou a janela, banhando dois cadáveres aos pés da garota. Kiera se aproximou das frestas em pânico. Seus olhos azuis fitavam as correntes que arrastavam os amigos para a morte. Não sabia se estava acordada ou não. Nada daquilo parecia real. Abriu a boca para chamar a mulher caída, mas nenhum som saía da garganta. Próximo, um dos sigrius repousava inerte com uma foice de jardim fincada no peito.

A balbúrdia externa cresceu. Kiera olhou ao redor, buscando socorro até que vozes ecoaram do lado de fora. Não as reconheceu. Pareciam aflitas e se esforçavam para que ninguém as ouvisse.

— Pegue e vá embora! — ordenou o homem.

— Arkmestre… está ferido… — disse uma mulher.

— Não se preocupe, Yadrith. O hennix é mais importante.

— Mas…

— Entende o que aconteceria se colocassem as mãos nele?

A conversa se tornou um sussurro e Kiera teve que segurar a respiração para entender.

— Acha mesmo que invadiriam os outros círculos? — perguntou Yadrith.

— Não tenho dúvida — retrucou ele. — Só precisam das localizações.

— Por que não leva para o seu?

— Receio que já saibam como chegar lá.

— Se isso for verdade…

Houve uma pausa e ninguém falou nada por um momento. Ouvia-se apenas berros ao longe.

— Agora, vá! — insistiu o homem. — Deixe em um lugar seguro!

— Ficará comigo em Úine.

— Não! Nos círculos é muito arriscado!

— Mas onde poderíamos…?

Ela se deteve enquanto cascos de animais passavam a toda velocidade.