Livro Físico
R$ 33,00
Disponível por encomenda
Em um reino governado por pacifistas, o surgimento de uma nova visão política abala suas estruturas. Baseada na força e na crueldade, esta nova ideia seduz o povo com ofertas de um futuro brilhante em troca de sua humanidade.
Correntes Vermelhas traz as consequências da violência sob a ótica de quatro personagens, divididos em quatro histórias, mas ligados por uma sociedade sanguinária.
E, ao final, fica a pergunta: o que significa ser forte?
Felipe Salvador é um escritor gaúcho de 36 anos, formado em psicologia, torcedor do Grêmio (nas alegrias e tristezas…) e mestre de RPG. Apaixonado pelo potencial da mente humana e o quanto ela pode nos fornecer amigos ou criar nossos piores inimigos.
Subgênero: Fantasia
Páginas: 76
Autores: Felipe Salvador
Formato: 14x21cm
Acabamento:
Miolo: Pôlen 80g
Edição: 1ª Edição
Batidas na porta me despertaram em meio à madrugada.
No térreo, minha mãe e minha irmã reclamavam do horário enquanto a empregada atendia aos visitantes. Uma dúzia de homens marcharam para dentro da sala e a porta bateu atrás deles. Todos ficaram quietos e um frio percorreu minha espinha. Subi na cadeira ao lado da cama e movi as rodas para fora do quarto. Espiei do alto da escada. Eram soldados com mantos vermelhos e rifles nas costas.
Minha mãe oferecia assento e ordenou que a empregada buscasse uma das suas bebidas.
— Esperava ver meu marido com vocês — disse ela, com os braços cruzados.
Aquele que tinha o maior número de condecorações foi o único que sentou no sofá e respondeu.
— Fique tranquila, madame Farkash, ele está bem.
Minha mãe franziu a testa e engoliu seco. Seu olhar desviou para o símbolo sagrado sobre a lareira: um dragão de seis asas abertas, o mesmo na lapela do sujeito.
Eu nunca gostei daquele símbolo. Minha família mudou muito desde que o colocaram lá.
— Seu marido pediu que buscássemos algo — continuou. — Uma pequena caixa de metal, que esqueceu por aqui.
Minha irmã fazia um esforço para não adormecer, mas, naquele momento, o sono desapareceu.
— Poderia entregá-la? O senhor Farkash garantiu que a madame saberia onde ela está.
Nossa empregada voltou com uma garrafa escura que meu pai conseguiu devido a sua amizade com um excelente mercador da região. Era um conhaque cor de sangue do qual minha mãe bebia apenas quando precisava de coragem. Foi a primeira vez que a vi esvaziar o cálice de uma só vez.
— Madame? — insistiu o líder do esquadrão. — Ouviu o que eu disse?
— O que fizeram com o meu marido?
Minha irmã, a empregada e eu sentimos como se o ar estivesse no fim. Tapei o nariz em uma tentativa de esconder minha presença ainda mais.
Os que estavam de pé cerraram os punhos ao redor das armas.
— Madame, está insinuando algo?
— Sei muito bem que Oliver não tem o poder de mandar em homens como vocês. Quem os mandou e o que fizeram com ele?
Ele respirou fundo.
— O próprio general Sargon nos enviou — confessou o homem, suspirando. — Quanto ao senhor Farkash, ele se encontra em meio a uma tarefa imprescindível ao império e não será liberado até segunda ordem.
— Meu marido já lhes deu todas as armas que queriam. Por que querem uma mísera caixa de metal?
— Senhora, devo salientar que se negar a obedecer ordens de um agente imperial é passível de punição.
Os sargonistas chamavam o nosso país de império, desde o momento em que ocuparam a maior parte do território, principalmente daqueles que se negaram a curvar a cabeça diante daquele regime. Alguns, como o meu pai, viram naquela aliança uma forma de sobrevivência.
Minha mãe não moveu um músculo. Permaneceu sentada ao lado do cálice vazio. Ela sabia que o mínimo movimento em falso seria o suficiente para causar um mal entendido, mas a minha irmã não sabia disso e se levantou com os dentes rangendo.
— Isso não são modos de falar com um Farkash! — brandiu ela, se colocando entre os dois. — Seu líder deve muito a nós para…
Outro soldado puxou os seus cabelos e a jogou de volta ao sofá com um tapa que doeu nos meus tímpanos. Minha mãe fechou os olhos com uma expressão congelada, mesmo diante dos protestos e choro da filha.
— Vou perguntar pela última vez — ele disse, levantando-se. — Poderia nos entregar a caixa?
— Não sabemos onde está — ela respondeu, também pela filha. — Se entregou a vocês, então devia ter dito onde a escondeu.
Ele fez um gesto com a cabeça para que seus comandados engatilhassem os rifles. Metade as manteve sob as miras enquanto os demais reviraram o andar.
Minha irmã afogou um grito em uma almofada. Minha mãe manteve a compostura de sempre. O álcool a ajudava, mesmo diante do cano de uma arma de fogo. A empregada implorava aos prantos pela piedade dos sargonistas.
— Procurem por tudo — dizia o líder, enquanto os homens se espalhavam.
Meu pai não mentiu quando disse que minha mãe sabia onde ele guardou aquela caixa. Ele me fez prometer que nunca a entregaria para outra pessoa, não importa o que acontecesse.
Ele era um inventor. O melhor da nossa nação. Ele dizia que o nome da nossa família seria sinônimo de progresso. Quando os sargonistas vieram, homens como ele usaram seu conhecimento para lhes dar as armas que, agora, estavam apontadas para nós. O conhecimento era poder, e meu pai sabia disso. Os homens do regime também.
Ele nunca apreciou armas: apenas as projetou para os homens que contrataram os seus serviços. Nós nem tínhamos armas em casa, com exceção das espadas dos nossos guarda-costas. Com a proibição instaurada pelo regime, elas se foram, e os guarda-costas também.
Mas, o que havia naquela caixa, assustava até um homem como ele.
Nunca tive a coragem de perguntar o que era. Das poucas vezes que toquei no assunto, ele fez uma cara de dor e pediu para que me calasse. Dizia que, no momento certo, eu descobriria.
Quando penso nisso, meu santo Elohim, me arrependo muito do que fiz.
— Capitão, tem alguém ali em cima!
As atenções se voltaram na minha direção. Minha irmã levantou um rosto cheio de raiva e cabelos embaraçados. Minha mãe perdeu o fôlego e arregalou os olhos.
Recuei com a cadeira. Voltei para o quarto o mais rápido que ela me permitia. Os passos se aproximavam como uma manada descontrolada. Bati a porta atrás de mim e puxei a alavanca da parede.
Correntes e pinos metálicos, como os dos portões de uma cidadela, retumbaram pelas paredes. Em segundos, o quarto estava selado por placas de ferro e uma malha de aço trançado. Barras de metal reforçaram a porta e a janela e eu fiquei isolado do mundo na minha caixa de ferro escura. Uma invenção do meu pai.
Esmurraram a porta e ordenaram que eu saísse. Fiquei calado e me encolhi próximo a cama. Eu estava com medo, mas aquelas placas de ferro grossas não cederiam facilmente. Meu pai sabia o que estava fazendo quando as projetou. Ele queria me proteger do mal que aqueles homens trariam.
Depois de um minuto de muitos gritos e batidas, ouvi eles se afastarem e me lancei na gaveta do criado-mudo. Tateei em busca de uma vela e fósforos. Aquela gota de luz era tudo que eu teria por um tempo.
Eu não ouvia mais nada. Eram apenas murmúrios surdos vindos da sala.
Levantei uma tampa de metal na parede. Havia um par de esferas de borracha ligadas a dois fios de cobre que desapareciam no interior da parede. Os fios estavam conectados a diversas placas de metal, cada uma oculta em um aposento da nossa casa.
Pus as esferas nas orelhas. Escutava toda a casa como se estivesse lá fora. Reuniram-se na sala depois das tentativas de derrubar a minha porta.
— Quem entrou naquele quarto? — exigiu saber o líder.
— Ninguém. Não é ninguém.
Imaginei o rosto da minha mãe com os lábios trêmulos, simulando uma calma que sumira.
Depois de um momento de silêncio, vieram os gritos e o som das cerâmicas e taças sendo estilhaçadas. Fiquei sem ar.
Quando sobraram apenas o choro e os gemidos que eu reconhecia, os passos dos soldados se espalharam pela casa como cupins. Abriam cada gaveta, armário e baú que encontravam. As tábuas do forro estalavam à medida que arrebentavam o que conseguiam.
Mas, eu sabia que jamais a encontrariam.
Abri a caixinha de metal sobre o criado-mudo. A tampa exibia a imagem de uma coruja de seis asas; a imagem original do deus da nossa nação. Uma bailarina descascada e sem a cabeça girou. A música não tinha compasso e havia notas faltando, mas eu não me importava. Não era bonita, mas foi meu pai que me deu. Naquela hora, a música ajudaria a me acalmar.
Não lembro por quanto tempo fiquei ouvindo aquelas notas tortas, mas voltei a si quando eles retornaram para a sala mais uma vez.
— Vou perguntar pela última vez: quem está naquele quarto?! — insistia aquele que era o líder, em um tom que eu jamais imaginei que seria usado com alguém da minha família que não fosse eu.
Não houve uma resposta. Silêncio, seguido de uma pancada que derrubou alguém sobre o piso de madeira. Os gritos da empregada sugeriam que não foi com ela.
Murmuraram alguma coisa e vieram até a minha porta. Esmurraram a parte de madeira várias vezes.
— Você está com a caixa aí dentro, não é?!
Eu não respondi. Não conseguia e nem queria. Eu suava e encarava a porta. A imagem dela cedendo de repente começou a me assombrar.
— Eu juro que quebro os dentes daquelas vadias se você não me responder! — insistiu a voz do outro lado.
Mantive o silêncio. Meu coração acelerou. Eu não queria nem que ele ouvisse minha voz. A ideia de falar com aquele homem fazia a minha garganta trancar.
Ele voltou até a escada e mandou que buscassem a marreta. Mais gritos. Desta vez, paralisei ao reconhecer a voz da minha mãe como sendo um deles. Algo fez um som de pedra sendo arrastada para dentro da sala.
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