Livro Físico
R$ 65,00
Disponível por encomenda
Produto sob encomenda.
Prazo de produção de 5 dias úteis + 15 dias para entrega.
E se você pudesse viver para sempre, longe das garras do tempo? É esse o destino do Sr. Rocha no ano de 1762, em Araucária do Sul, uma vila abandonada no sul do Brasil. Ele é o portador de um misterioso talismã contendo dois olhos de cor violeta. E no exato dia em que o Sr. Rocha completa um século de vida, espreitado pelos abutres e lutando para não enlouquecer, ele recebe uma inesperada visita.
A história daqueles olhos tem início em 1691, quando a vila passa a receber as primeiras visitações da Inquisição portuguesa à procura de bruxas e hereges nas terras brasileiras. É nesse cenário de medo e superstição, cachaça e rapadura, que Bluma Santiago, uma menina albina com olhos violeta, é sequestrada. Presa num porão e inspirada nas sete cores do arco-íris, Bluma elabora um plano para escapar e se vingar de todos os que se aproveitaram dela, uma cor para cada um, do vermelho ao violeta.
Thiago Luz Krauspenhar é um escritor gaúcho nascido em Santa Cruz do Sul em 1984. Graduado em Engenharia de Materiais pela UFRGS e mestre na mesma área, encontrou sua paixão pela escrita em 2017, ressuscitando rascunhos de histórias que jaziam esquecidas desde a adolescência para criar seu primeiro romance de horror, “A Última Cor”.
Desde a infância, Krauspenhar é um ávido leitor, e sua jornada literária se transformou em uma busca pelo elo entre o terror e a imaginação.
É casado e pai de uma menina. Atualmente, reside em Macaé-RJ, onde concilia sua carreira como engenheiro na indústria do petróleo com sua paixão pela escrita, encontrando inspiração nos contrastes entre a luz e a sombra.
Subgênero: Horror
Páginas: 398
Autores: T.L. Krauspenhar
Formato: 15 x 21cm
Acabamento: Sem Laminação
Miolo: Pólen 80g
Edição: 2 ª Edição
ARAUCÁRIA DO SUL, BRASIL, REINO DE PORTUGAL – 1762
O Sr. Rocha levantou a trava de segurança. Girou a chave e puxou a pesada porta do castelo, recebendo um sopro gelado contra o rosto.
Ergueu o capuz de lã e encarou o céu estrelado. No instante em que colocou o pé para fora, um abutre farfalhou as asas e grasnou sobre o galho de uma araucária solitária não muito longe dali. Em seguida, outras sobrevoaram o céu, circulando sobre o rochedo na beira do qual o castelo fora construído.
— Carniceiras malditas! Nem no meu aniversário vocês me deixam em paz! — praguejou, soltando uma nuvem de vapor pela boca. — Ainda não estou morto, não percebem?
A copa da araucária, antes esbranquiçada pela neve, logo foi envolvida por uma nuvem negra com mais aves alvoroçadas. Disputavam um espaço entre os galhos com bicadas violentas entre si. Faziam barulho, olhando o homem como se pressentissem a sua queda para se refestelar com a sua carcaça, aumentando o tormento.
Era como se todos os abutres de Araucária do Sul se reunissem no mesmo lugar, apresentando-se para uma festa em que não foram convidadas. A quantidade delas aumentava a cada ano, mas nada comparado com aquela noite fria de julho, no exato dia em que o Sr. Rocha completava um século de vida.
Quem tentasse adivinhar a sua idade não daria para ele mais do que trinta anos. Não havia sinais de velhice que seus traços deixassem transparecer. Ele sabia que ainda mantinha uma aparência jovem e viril. Seus cabelos negros escorridos até os ombros e sua barba negra ainda não tinham embranquecido.
E nem irão!, pensou, sentindo um gosto amargo na boca.
Enquanto aguardava o cocheiro chegar com a carruagem, ele segurou firmemente o colar que pendia sobre seu peito: uma pequena esfera de vidro de boca larga tampada por uma rolha presa numa correntinha de prata. No interior dela, conservados por um líquido turvo de aspecto fantasmagórico, brilhavam dois olhos de uma curiosa e rara íris de cor violeta.
Eu sei que você teme esses olhos aí dentro, velho. Eu vejo como você olha para eles, pensou, percebendo o cocheiro fazendo o sinal da cruz ao se aproximar pela trilha de pedras.
— Boa noite, senhor! — Desceu do banco e abriu a portinhola da carruagem. Não ousava encarar seu patrão.
— Boa noite, Jônatas! — respondeu, acariciando o lombo da égua Pedrita. — Trouxe a caixa?
— Sim. Tá ali dentro, senhor.
— Ótimo! Então podemos ir.
O Sr. Rocha se curvou desajeitadamente na tentativa de entrar sem bater a cabeça e se acomodou sobre o assento. Quando comprou aquele veículo, precisou aumentar a altura do teto para adaptá-la ao seu tamanho fora do comum. Um gigante, mamãe, tô com medo!, gritavam as criancinhas, escondendo-se debaixo da saia quando ele passava. Nunca tinha gostado muito de gente mesmo. Desde que o deixassem em paz, ele faria o mesmo. Porém, isso foi há muito tempo, quando a vila ainda tinha vida.
Além disso, havia pintado a carruagem toda de preto e mandado confeccionar uma capa de veludo na cor violeta, a qual pregou na parte de trás da cabine. A capa apresentava a figura de dois olhos no centro debaixo de três estrelas, uma espécie de brasão. Lembro bem da cara de todo mundo tentando adivinhar o significado desses símbolos. Eles tinham medo de chegar perto, mas era melhor assim.
Não envelhecia fisicamente ou era acometido por qualquer doença. Nem resfriado, nem febre, nem dor de estômago. Nada o atingia! Lembrou de ter dado um talho feio na mão cortando lenha muitos anos atrás. Achou que iria perder o dedo, mas o ferimento cicatrizou em questão de horas e não de dias como seria esperado em uma pessoa comum.
Mas ele não era uma pessoa comum.
Qual foi a última vez que eu fiquei doente?, ele se perguntava sem encontrar a resposta.
Continuava também com os ombros largos e os braços fortes como na primeira vez em que conheceu a menina que selou o seu destino. Sua força permanecia a mesma: seus músculos não definhavam, mantendo sempre o mesmo vigor e juventude. Por dentro, no entanto, ele sabia que era só ruínas e destruição, como um castelo prestes a desmoronar, mas que só não o fazia por completo porque a estrutura externa era artificialmente forte, o que impedia ou postergava o colapso.
Sentia um cansaço da alma, uma espécie de fardo. Era como se nadasse amarrado a um bloco de pedra para permanecer na superfície, sendo puxado insistentemente para o fundo de um poço do qual ele nunca deveria ter saído. E assim era obrigado a permanecer, existindo, lutando bravamente para não se deixar engolir.
Estou morto por dentro, eu sei. E os abutres também sabem. Não fazem questão de esconder isso de mim. Por isso me rodeiam, desgraçados! Sei que eles farejam a minha podridão. Por que não acabo com isso tudo de uma vez? Não quero ter ou conquistar mais nada. Todos os meus amores e afetos já morreram ou partiram por culpa do destino… ou por minha culpa. Não tive filhos. Jamais arriscaria transferir este destino para eles. Aceitei de bom grado a ideia de portar esses olhos no início. Achei que seria o mais sortudo dos homens, mas o mal, o grande mal que eu causei quando as sombras se apoderaram de mim… Só depois percebi a arapuca em que me meti sob o disfarce da vida longa e próspera… e eterna, será? Não sei, mas espero que não. Se Pedrita ainda está viva depois de mais de setenta anos ao meu lado, mais do que o dobro da estimativa de vida de um cavalo, quanto tempo ainda me resta?
Enquanto seguia pela velha estrada, ele observava a paisagem pela janela. Contemplava a imensidão branca e gélida, rodeada pelas silhuetas das copas das araucárias. Elas balançavam ao fundo contra a cor âmbar-amarelada da lua cheia debaixo de um céu cheio de estrelas.
Quanto tempo mais vou suportar vivendo aqui nesse fim de mundo, preso nesse corpo que insiste em permanecer de pé? Até quando?
O vento gemia. Soprava afiado como se partilhasse do ânimo daquele homem, compartilhando também o lamento pela sua alma aflita.
Quantas vezes eu e Pedrita já fizemos este mesmo caminho? Dezenas? Não! Centenas de vezes, ele tentava se lembrar sem chegar no número exato. Foi uma sorte ter encontrado esse cocheiro também, é raro achar um homem disposto a trabalhar nestas terras amaldiçoadas, só pagando muito, mas muito bem. Ouro não me falta, mas nem mesmo assim eles duram. O velho logo vai pedir as contas, eu sei, assim como fizeram todos os outros.
Conforme prosseguia, notou que os abutres seguiam a carruagem com um ânimo imbatível. Estavam mais ousados do que nunca, voando de galho em galho das araucárias ao longo do caminho. Nunca o haviam perseguido por tão longe. Nem mesmo a neve os impedia. Tinham um olhar esfomeado e impaciente, algo que ele ainda não tinha visto. Alguma coisa estava errada. Apertou mais uma vez seu talismã violeta contra o peito e gritou para o cocheiro:
— Mais rápido, Jônatas! Mais rápido!
— O clima tá brabo, senhor! Não fui treinado pra isso! — berrou o velho, erguendo-se do assento elevado e sacudindo as rédeas ao mesmo tempo em que estalava a língua incitando Pedrita a avançar. — Eia, égua! Eia!
Pedrita relinchou e sacudiu o corpo. Livrou-se do manto de neve acumulada sobre o lombo. expondo a pelagem negra que brilhava sob a luz de dois lampiões. O cocheiro estalou o chicote no ar e a égua impulsionou rapidamente para frente, fazendo-o se desequilibrar. Ele logo se recompôs e retomou o controle, conseguindo, enfim, forçar um ritmo melhor sobre o veículo.
Sei que você aguenta, Pedrita, você é uma égua forte e resistente, atada à mesma maldição que eu, pensou o passageiro.
Pedrita parou em frente a um grande portão carcomido pela ferrugem.
— Chegamos, senhor! — anunciou o cocheiro, rangendo os dentes. Abriu a porta, abaixou os degraus da cabine e ajudou seu patrão a descer.
— Obrigado! Não devo demorar.
O homem estava todo vestido de preto, tão sinistro quanto as aves que continuavam rodopiando sobre ele. Abotoou o casacão e ajeitou as luvas reforçadas com punho em lã de pele de coelho.
O portão marcava a entrada de um cemitério antigo delimitado por um muro baixo de pedras. Fazia muitos anos que ninguém era enterrado ali. Acho que sou a única pessoa viva que conhece a história deste lugar.
Dezenas de anos atrás, ali em Araucária do Sul, no sul do Brasil, existia uma vila próspera e um porto movimentado na Baía das Araucárias, não muito longe do cemitério. Além disso, havia um grande polo de curtimento e tingimento de couro. Atendia o comércio de toda a antiga Capitania de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, exportando seus produtos para Salvador, a capital do Estado do Brasil, além dos portos do Rio de Janeiro e Santos. Porém, uma série de eventos trágicos e inexplicáveis fez com que grande parte dos antigos habitantes debandassem da vila. Nem mesmo a valiosa mina de safira e a lenha farta da floresta de araucárias da região impediram a fuga. Dentre os remanescentes, os índios carijós eram a maioria.
A vila está amaldiçoada e só um louco permaneceria aqui, pensou, lembrando das palavras de uma antiga habitante.
Retirou da carruagem uma caixa de madeira envelhecida. Carregou-a até a entrada do cemitério, abriu o portão e se dirigiu para perto do muro lateral esquerdo. A neve se depositava sobre as lápides malcuidadas e cruzes tortas, ocultando quase tudo. Os abutres também vieram e disputavam os melhores lugares sobre o muro, grasnando impacientemente enquanto esticavam seus pescoços compridos e pelados.
Ele catou uma pedra e a arremessou contra o negrume de aves, acertando um deles em cheio na cabeça enrugada e nua de coloração avermelhada. Aquilo fez o bando todo levantar voo. O bicho tombou, ergueu-se por alguns segundos e o encarou com a cabeça ensopada de sangue; e caiu mortinho da silva.
O lugar vago foi logo ocupado por outra ave agourenta. Logo todas elas voltaram para o muro.
Não havia jeito de lidar com os abutres. Eram tantos que decidiu ignorá-los para terminar logo o que viera fazer. Pegou uma pá do depósito, caminhou até a lápide mais larga e começou a remover a neve de cima da sepultura.
Eu mesmo que entalhei o desenho nessa pedra, exatamente do jeito que a menina pediu, mas faz tanto tempo já, pensou, olhando para a lápide que tinha gravado o desenho de um par de olhos e três estrelas no céu, igual ao que ele exibia nas laterais da sua carruagem.
Continuou cavando até começarem a aparecer os vasos de flores que ele tinha colocado ali um mês atrás, recolhendo todos os que possuíam vegetais mortos e terminou de retirar toda a neve. Destravou o pino da caixa e ergueu a tampa.
R$ 2.700,00
R$ 65,00
Disponível por encomenda
Avaliações
Não há avaliações ainda.