Livro Físico
R$ 55,00
Disponível por encomenda
Calin e Sora nasceram sob o destino de uma antiga profecia, que parece se cumprir quando o Alto Rei de Greengarden ordena que partam numa perigosa jornada para recuperar a lendária Coroa do Messias. Uma paixão avassaladora e muitos perigos aguardam o casal de jovens em sua busca pelo artefato capaz de elucidar a identidade de um herói há muito esperado para libertar o mundo de suas misérias e destruir a ameaça do Abismo.
Bacharel em Direito e Autor de Literatura Fantástica. Apaixonado por Escrita Criativa, sempre interessado em aprender mais para escrever boas histórias. Vive com a família em Sorocaba no interior de São Paulo.
Subgênero: Fantasia Medieval
Páginas: 128
Autores: Guilherme Lacerda
Formato: 14x21cm
Acabamento: Sem Laminação
Miolo: Pólen 80g
Edição: 1 ª Edição
Capítulo 01 – Olhos Perigosos
A distância entre eles era quase a de um beijo.
Apenas o aço separava os rostos de Calin e Sora, com a garota forçando sua lâmina sobre a do rapaz e ele encontrando dificuldade em sustentar seu olhar de desafio. Cercado pelas rapieiras que Sora invocara ao ativar seu gear, Calin sabia que o combate a curta distância era sua melhor opção, já que dificilmente ela comandaria as lâminas para lhe estocar com os dois estando tão próximos. A situação, porém, não incomodava a jovem, cuja esgrima era superior à de seu parceiro de treinos.
Ainda que a espada curta de Calin tivesse menos alcance do que a rapieira dela, num duelo de força a lâmina esguia da menina deveria coloca-la em desvantagem. Contudo, seu manejo da espada era quase sobrenatural, atacando com tamanha velocidade e destreza que envergonharia as habilidades das mais proficientes tecedeiras, cujas agulhas mordazes não acompanhariam a perícia de Sora em seus pontos de costura.
De súbito, ela recuou com um sobrepasso, fazendo com que Calin, que não estava por completo focado no combate, encabulado todas as vezes em que por acaso seus olhares se cruzavam, cambaleasse desajeitado. Na intenção de evitar a queda, ele deixou que o corpo pendesse para a frente, tal como uma árvore curvada por uma furiosa ventania, e em seguida jogou todo o peso sobre a perna de apoio.
Aqueles poucos segundos de distração lhe custaram caro e a garota usou de seu jogo de pés veloz para num avanço golpeá-lo com a precisão do bote de uma serpente. Desajeitado, o rapaz aparou parcialmente o primeiro golpe, com o aço ainda lhe beijando o rosto, de onde escorreu um filete de sangue.
Tamanha era a habilidade de Sora que sua lâmina quase se transformara num borrão de aço, enquanto Calin tentava desesperado aparar a maior parte da carga, para que os ataques fossem de encontro a proteção de sua armadura de couro. Se aquele fosse um simples duelo de espadas, ele talvez resistisse ainda um pouco mais, entretanto, pela forma como lutava, sempre recuando e com pouquíssimas e acanhadas tentativas de um contra-ataque, acabaria invariavelmente derrotado pelas coléricas investidas de sua adversária.
De fato, o rapaz já começava a sentir seu corpo pesado e foi tarde demais quando se lembrou de que aquele não era um simples duelo de espadas, mas uma peleja em que foram ordenados a usar quaisquer habilidades ao seu alcance, o que incluía o gear de Sora. Uma das espadas que flutuavam ao seu redor lhe cortou a perna, fazendo com que caísse ajoelhado.
— Dança das Lâminas — entoou a garota.
Desesperado, Calin ergueu os olhos e atacou num reflexo, mas a adversária não estava sobre ele como imaginara. Numa finta, ela se colocou em sua diagonal e com um chute certeiro lhe expulsou todo o ar dos pulmões, fazendo com que tombasse de costas arfando.
A espada escorregou de sua mão, afrouxada pela força do golpe, e ao fazer menção de se levantar, ele sentiu a bota dela sobre o peito. A lâmina da rapieira estava em seu pescoço e a amiga sorria vitoriosa.
— Eu … me rendo … — Calin balbuciou.
Sora estendeu a mão para ajuda-lo a se levantar, ao que o garoto aceitou de bom grado. Por um breve momento os dois se fitaram com intensidade, ela feliz pela vitória e ele fascinado por sua parceira.
— Muito bem — comentou a figura que os assistia —, com essa são dez vitórias para Sora e deixe-me ver … que surpresa! Nenhuma para o Calin.
Eles se voltaram para o homem deitado à sombra de uma árvore.
— Há muito aprendizado na derrota, Mestre Haldwin — Calin respondeu. — Se apenas acertássemos como seria possível saber onde é preciso melhorar.
Haldwin se espreguiçou e espanando de seu sobretudo escuro algumas folhas que caíram sobre ele, ficou de pé para encarar aos pupilos. Chamar aquele homem de mestre era de certo esquisito, não que para receber o título alguém precisasse de um determinado conjunto de características, tais como idade avançada ou barba, mas havia alguma coisa na juventude, nos longos e desgrenhados cabelos negros, na camisa amassada e mesmo na aura de tédio emanada por Haldwin, que não lhe emprestavam a autoridade típica de quem ensina.
— Então com toda a certeza você é meu aluno mais aplicado, Calin. Para não vencer uma única vez, deve mesmo amar o aprendizado — ele fez uma pausa e erguendo a sobrancelha olhou do rapaz para Sora — ou alguma outra coisa.
— Já chega, Mestre Phiepherum — Sora o interrompeu. — Cal vem ajudando há anos com o meu treinamento, ele é um ótimo amigo e eu tenho apenas a agradecer por tudo o que faz.
O menino a olhou agradecido, como sempre deslumbrado pela beleza e imponência dela, cujos olhos azuis eram como duas lagoas de água límpida e os cabelos cor de ouro pareciam mesmo reluzir ao sol de fim de tarde. Mesmo suada e em suas roupas de treino, para Calin ela estava linda, com a brisa que farfalhava uma melodia nas árvores a lhe roçar com leveza a pele, e o rosto de feições delicadas sempre plácido num sorriso acolhedor.
— Tendo em vista o destino que me aguarda — disse a menina, não sem um salpico de melancolia, tomando o amigo num abraço —, fico feliz em saber que alguém zela por mim, ainda que muitos esperem que seja eu a zelar por eles.
Haldwin não se comoveu com o discurso. Sempre atento às reações de Calin, o mestre afundou a face numa das mãos em consternação, dado que o garoto nem mesmo disfarçava o rubor nas faces.
Contudo, antes que ele disesse mais alguma coisa, a clareira onde conduzia o treinamento foi invadida por meia-dúzia de soldados, envergando armaduras de placas vermelhas com detalhes em dourado e armados de lanças, que escoltavam um homem de meia-idade cujos cabelos loiros já começavam a rarear. Talvez na juventude o pai de Sora fosse tão belo como era sua filha, e o pouco brilho que restara em seus olhos azuis indicava mesmo que ele fora outrora um cavalheiro dos mais encantadores, mas agora encolhido sob o manto carmesim e usando seu barrete de duque para disfarçar a calvície, ele parecia tão somente um homenzinho cansado, escondido por detrás do estandarte dos denn Meallta, que exibia uma estrela branca de seis pontas sobre um campo igualmente divido entre o vermelho e o dourado, suas cores heráldicas.
— Mestre Phiepherum — cumprimentou o nobre —, espero não estar atrapalhando. Eu planejava fazer uma caminhada com minha filha neste fim de tarde.
— Sua presença é sempre bem-vinda, milorde — bajulou Haldwin. — Nós já terminamos por hoje, eu preciso apenas ter uma palavrinha com Calin.
Discretamente ele dirigiu ao menino uma piscadela.
— Sim, mestre — Calin concordou, entrando na pantomima. — Estou ansioso para suas ponderações acerca do treino.
— Esplêndido! — o senhor exclamou.
Como que se recordasse de algo, Lorde denn Meallta foi de repente tomado de surpresa e derramou então seu olhar sobre o garoto.
— Mas onde estão meus modos? — questionou-se. — É bom vê-lo com saúde depois de tanto tempo, Calin. Como está o seu pai?
— Honra-nos, Lorde Tulius, ao demonstrar sua preocupação para com simples vassalos. O senhor meu pai tem boa saúde, mas infelizmente não posso dizer o mesmo quanto ao seu gênio. Não desejo, contudo, tomar mais de seu tempo com tal enfadonho assunto. Imagino que após tão longa viagem até a capital o que o senhor mais deseja é ter com sua filha.
As palavras de Calin desanuviaram um pouco a expressão do nobre e Lorde denn Meallta deixou mesmo escapar um sorriso, que há uma década atrás poderia ter um décimo da graça de Sora.
— Educado como sempre, rapaz — elogiou o senhor suserano. — Todavia, não há necessidade para tamanho formalismo. Você é um protegido em meu castelo há quanto tempo? Mais de uma década de certo. Enfim, venha jantar conosco esta noite para que possamos conversar com mais calma, amanhã você deve partir de volta ao Solar de Águas da Fúria e eu ainda não tive a oportunidade de lhe passar a mensagem que desejo ver entregue ao Lorde Emhyr.
— Papai! — indignou-se Sora. — Calin é meu amigo, não algum garoto de recados a serviço da Guilda dos Mensageiros.
Ele deu de ombros ao ouvir a reprimenda da filha.
— Eu jamais pensei nele como tal — desculpou-se —, apenas imaginei que poderia transmitir meus votos ao seu pai. Conversaremos mais sobre isso no jantar.
Lorde Tulius ofereceu o braço para que Sora o acompanhasse.
— Tem certeza? — ela perguntou. — Estou toda suada.
— Deixe disso, menina — ele respondeu a puxando para um abraço. — Seu cheiro é bem melhor do que o acre perfume dos Conselheiros Reais.
Os dois então partiram às gargalhadas, escoltados pelos lanceiros da guarda dos denn Meallta.
— Também devemos ir, Mestre Haldwin. Não será nada cortês se nos atrasarmos para o jantar — Calin disse e com alguma malícia sorriu para o outro. — Devo presumir que se juntará a nós esta noite?
— Deixe de bufonarias, menino — o mestre devolveu o sorriso ao discípulo. — Você muito bem sabe que planejo foder e me embebedar o quanto puder nos próximos dois dias junto daquela companhia errante que está se apresentando no festival de Calêndula, mas não se preocupe, estarei aqui no próximo Dia da Guerra quando você retornar do Solar de Águas da Fúria. Antes do merecido descanso, contudo, aquela palavrinha que disse ao Lorde denn Meallta que teríamos.
O rapaz foi pego de surpresa.
— Pensei que fosse apenas uma desculpa para não atrapalhar o passeio de Sora com o pai dela.
— Isso também — Haldwin concordou —, mas há um assunto sério sobre o qual precisamos conversar. Este sentimento que você vem nutrindo por Sora não pode continuar, menino.
— Sentimento? — indagou Calin, recuando um passo. — Do que está falando?
— Pare com isso — advertiu Haldwin. — Nós dois sabemos muito bem do que estou falando, você não pode me enganar pois eu conheço bem estes olhos com os quais você olha para ela. Os mesmos que eu outrora já tive.
— Eu não entendo … — Calin gaguejou.
— Pois eu entendo, Calin. Acredite em mim quando digo que eu te entendo. Durante o tempo em que estudei magia no Arcanatum eu conheci uma garota, linda e talentosa, ela foi minha parceira de treinos. A história parece familiar a você?
O jovem assentiu, mas nada disse.
— Ela trazia em seu coração uma grande tristeza — Haldwin continuou, quase que desejando se levar pela nostalgia —, um fardo que eu não pude ajudá-la a carregar. Nós dois sabemos que não há fardo maior do que o próprio destino e o de Sora talvez seja o mais importante dos destinos desta era.
— Se existe uma razão para que eu esteja aqui — Calin respondeu — é porque desejo fazer de tudo ao meu alcance para aliviar o peso que ela carrega. Não sou um obstáculo no caminho de Sora!
Os dois se encararam em mútuo desafio e Haldwin estreitou os olhos e comprimiu os lábios em reprovação. Há pouco Calin não passava de um coelho assustado, incapaz sequer de sustentar o olhar da garota, mas agora enfrentava com uma coragem desvairada alguém que poderia literalmente desintegra-lo.
— Deixe-me te dizer — falou o mestre —, quando Sora era apenas uma garotinha e Lorde Tulius me elegeu como o responsável por seu treinamento, eu disse que ela não precisava de um parceiro de treinos. Entretanto, como você era um protegido do castelo e seu único amigo, eu permiti que a acompanhasse. De início pensei que logo desistiria, afinal tudo era uma simples brincadeira entre duas crianças. O enorme potencial de Sora ficava a cada dia mais claro e nenhum garoto normal insistiria em continuar brincando ao saber que sempre perderia, ainda mais de uma menina.
— Mas aqui estou eu — provocou Calin.
— Aqui está você — seu mestre concordou com um riso sem humor.
Outra troca de olhares, como dois espadachins preparados a sacar suas lâminas.
— Vomitar em mim sua frustração de nada adiantará, Mestre Phiepherum — assegurou o rapaz. — Eu acompanharei Sora até onde se fizer necessário, para que ela saiba que não está sozinha.
— É estranho — confessou Haldwin — como você consegue dizer as mesmas palavras que no passado eu mesmo disse. Ouça meu conselho, Calin, não diga que a seguirá até onde for necessário, pois isto pode leva-lo ao fim da jornada, e o final muitas vezes não é o que esperamos dele.
Foi a vez de o garoto comprimir os lábios e estreitar os olhos, inundados de uma paixão que talvez ele ainda não entendesse. Olhos perigosos.
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