Livro Físico
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1 – A pré-venda desta obra literária será realizada entre os dias 17 de setembro a 14 de novembro;
2 – A partir do dia 15 de novembro, a editora conclui o projeto gráfico e envia os pedidos para a gráfica responsável pela impressão dos livros;
3 – Os envios começam a partir do dia 30 de setembro. O cliente é avisado do envio pelo email cadastrado no ato da compra;
4 – O cliente pode solicitar reembolso do valor investido na pré-venda até o dia 14 de novembro.
O mundo mudou na velocidade do microcarbo, e nos trilhos do progresso ergueu-se o Império Brasiliano. Não é o Brasil agrário que conhecemos, mas uma potência industrial e colonial, forjada na Grande Guerra de 1870-71 para rivalizar os impérios que dominam o mundo.
No Rio de Janeiro, onde o trono de Pedro II se ergue acima da selva de tijolos e aço, vive Guilherme, professor e filho de um herói da pátria. Entre carruagens mecânicas, monotrilhos e tanques bípedes, ele descobre que sua maior batalha não é apenas pela sobrevivência, mas por amor.
A Caldeira de Sangue não é um romance aventuresco, mas uma narrativa sombria de engrenagens, vapor e sangue. Onde política, traição, desumanização e violência ditam o destino.
Vista a armadura, carregue o rifle e me siga através dessas páginas!
Gabriel Santana é escritor por paixão e historiador de formação. A literatura sempre esteve em seu caminho, e quando os livros não satisfaziam sua fome, criava seus próprios mundos, povos e língua. Devoto de Tolkien e fascinado pelo terror, ficção científica e ficção histórica, busca escrever narrativas densas, longas, onde o fantástico dialoga com a brutalidade da realidade. Santana é movido pelo desejo de envolver o leitor em universos vivos, em meio a personagens que carregam dilemas tão complexos quanto os de qualquer ser humano.
Subgênero: Fantasia Histórica
Páginas: 280
Autores: Gabriel Santana
Formato: 14×21
Acabamento: Sem laminação
Miolo: Polen 80g
Edição: 1ª Edição
O envelope pesava como chumbo no bolso interno de seu paletó.
Guilherme dispôs seus livros na maleta de couro, sobre a mesa dos professores, atento à agitação dos estudantes do curso superior que saíam apressados da sala. Nesse tumulto, uma voz se destacou:
— Achei a aula meio dramática, sobretudo quando o senhor constrangeu Roberto — disse Davi, imitando seus trejeitos. — “Por que a ação do Império pode ser considerada imoral?”
Ali estava alguém de ar jovial e comportamento reprovável para os padrões. As roupas viviam amarrotadas e a cabeleira loira, distante do pente. Guilherme, com o paletó tweed aberto devido ao calor de Março, encarou-o nos olhos.
— Ainda estou no aguardo do seu projeto. — O dia de trabalho carregou consigo a firmeza da voz. — Mais uma semana, sem falta! Ou vou desligar seu nome da orientação.
Herdou do pai pernas grossas e ombros largos. Sua aparência, com o rosto longo e testa alta, era marcada pelos longos cabelos castanhos de sua mãe, a quem nunca conheceu para além das fotografias.
— Já está tudo pronto, mestre — justificou-se o outro, cabisbaixo. — Falta a revisão de alguns detalhes… complicados.
Dirigiram-se para a saída da sala, onde alunos se espremiam como ovelhas na porta do curral. Ali no corredor, um funcionário pregava um cartaz que lhes capturou atenção. Era uma pintura em aquarela que mostrava um mergulhador, com as características roupas de profundidade que mais pareciam uma armadura futurística. Atrás dele surgia a nova arma adquirida do Império, por entre montanhas de corais e peixinhos: o submarino, invenção do Príncipe Dakkar. Tinha quatro janelas circulares na parte frontal, de onde saíam fachos de luz. Lia-se abaixo, em letras douradas: O Império Fortalece.
Sabia que cartazes semelhantes foram disseminados por toda a cidade do Rio de Janeiro. Alguns eram genéricos, promovendo novas tecnologias ou o domínio Imperial sobre outras nações. Outros, eram produzidos especificamente para diferentes classes sociais. Nos centros educacionais, como aquele, a mensagem destacava a capacidade intelectual de Dom Pedro II ou homenageava importantes figuras da ciência brasiliana.
— Já leu Karl Marx? — perguntou Davi, encarando o cartaz. — Ele escreveu que a classe que tem à disposição os meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção espiritual.
— Que surpresa descobrir que você lê em alemão. — Caminhou em direção ao seu gabinete. A mão foi ao bolso do paletó e tateou o papel, cuja ponta pinicava seu peito. Suspirou quando o aluno o seguiu.
— Meus pais me ensinaram. Acho que ele está certo… quem domina, controla os meios de produção espiritual.
Guilherme freou a marcha e aguardou um grupo de alunos passarem por eles. Sozinhos, seu sorriso derreteu numa careta.
— Sabe do que está falando? — sussurrou a pergunta.
— Claro. Somos o que o Império deseja, mas é assim que nos tornamos uma pátria, não? O submarino passa a ser nosso orgulho, minha tecnologia, embora nunca tenha visto um de perto. Tem vontade de ver um submarino?
Um brilho trêmulo saltava dos olhos de Davi. Era uma criatura andrógina, de espírito subversivo, e que grudou nele desde que ingressou no Instituto Superior de Educação.
— Você sabe que seu tema de pesquisa é um tanto perigoso, não é? — Mudou o foco da conversa.
Continuaram a caminhada no segundo andar, onde as colunas dóricas se intercalavam com o parapeito que delineava o corredor. A brisa do final da tarde carregava consigo o aroma de madeira envernizada, misturando-se com as notas frescas da vegetação circundante. No entanto, esse cenário idílico era pontuado por um odor químico, resultado das indústrias.
— Garanto que não há perigo — defendeu-se. — Na verdade, professor, acredito que minha proposta de pesquisa é um grande serviço ao Império.
— Segunda vez que você me diz isso, mas não me apresentou nada até o momento a não ser o tema.
Quando alcançaram a porta de seu gabinete, Davi se adiantou e girou a maçaneta de latão como um cortesão. A sala tinha simplicidade funcional: uma escrivaninha, uma estante que mal conseguia abrigar uma centena de livros, e duas cadeiras com o espaldar alto e assento acolchoado. Sobre a escrivaninha, uma pilha caótica de papéis dividia espaço com um tinteiro e meia dúzia de canetas enfiadas em um copo de whisky.
Colocou sua bolsa sobre a mesa e esticou as pernas ao se acomodar no assento. Levou a mão ao bolso para pegar o envelope, mas desistiu ao encarar o inconveniente loiro que permanecia de pé. Indicou com o olhar a outra cadeira vazia antes de prosseguir:
— Preciso que você entenda, Davi. Talvez você não esteja considerando a gravidade da realidade em que vivemos. Tudo que fazemos aqui nessa instituição, desde as pequenas atividades, são de interesse do Império. — Se deixou afundar na cadeira. — Como você disse agora a pouco, “é assim que nos tornamos uma pátria”.
— Sim, professor — ecoou a deglutição da saliva —, tenho consciência disso.
— Você registrou seu nome para receber orientação há duas semanas, não é verdade? Mas desde então se esquiva sempre que questiono sobre o projeto, suas ideias e objetivos. Não dá para trabalharmos assim, já que você tem consciência do problema que me coloca.
— Professor — gaguejou —, eu garanto que é por um bom motivo e que estou agindo de boa fé. Acredite! Essa semana é tudo que preciso para resolver o que me constrange.
Guilherme sentiu outra vez o papel pinicar sua pele. A ansiedade despertou nele o desejo de fumar, porém, não encontrou seu cachimbo no lugar usual.
— Qual seria o bom motivo para se esquivar das tuas obrigações? — A pergunta estalou como chicote.
— Posso ser honesto?
Não lhe deu atenção, procurava o cachimbo no interior de uma das gavetas.
— Posso confiar no senhor?
A mão de Guilherme parou no ar. Aquele aluno o encarava como uma onça antes do ataque. Ajeitou-se na cadeira e entrelaçou as mãos sobre a mesa. Sua sala, de repente, se tornou o interior de uma fornalha.
— Onde quer chegar, meu rapaz?
— É que… apesar de ninguém ter coragem de comentar. Olha, é impossível não perceber a ausência prolongada de alguns de nossos colegas — Davi começou a bater o pé contra o piso. — Miguel do clube de poesia saiu da cidade. Também tem Rubem do time de natação, evita nossas visitas e até parou de nadar. Eu mesmo o surpreendi na rua há algum tempo, sabe qual a reação? Simplesmente fugiu! E lembra do Felipe? Um dos melhores estudantes de cartografia, que sem qualquer motivo foi morar em outro país. Mas… olha, eu conheço alguém que o viu ser capturado por agentes do Império durante a madrugada.
Guilherme levantou a mão espalmada, depois levou o indicador aos lábios. O sangue ferveu e a musculatura se torceu em sua face.
— Se continuar tagarela desse jeito, tolo — perdigotos voaram sobre a mesa —, e sobre coisas que não devem sequer serem pensadas, você também fará uma viagem para a França, Holanda ou seja lá que diabo de lugar.
— Me perdoe, mestre! Não quero acusar o Império de nada, na verdade entendo com perfeição os seus atos. Mas é por isso que peço sua discrição e também o motivo que estou relutante em entregar o projeto.
— Chega, Davi! Tudo que sai de sua boca cheira a conspiração e rebeldia infantil.
— Eu juro — colocou a mão sobre o coração —, que meu projeto corresponde aos interesses do Império! Lembra do caso de Lopes Trovão? Eu sei que ele foi um traidor, e trabalho sob essa perspectiva, mas preciso deixar isso muito bem claro no papel, para que… Não quero ser interpretado dessa forma que o senhor acusou.
— Você me põe em maus lençóis, isso sim. — Inspirou fundo e cruzou os braços. O maço de papel à sua frente foi ímã para os pensamentos. — Uma semana, e saiba que não sou responsável quando seu projeto for encaminhado ao censor.
— Muito obrigado, professor, de verdade! — Seu semblante voltou a exibir a leveza peralta. Se levantou e saiu com outro agradecimento.
Guilherme soltou um suspiro ao se ver sozinho. Lamentou-se não ter persuadido o aluno a revelar o nome da testemunha, mas a conversa tomou um rumo inesperado. Além disso, seu espírito estava agitado, impulsionado pelo envelope do Império que relutava em abrir. Em meio a esses dilemas, encontrou o cachimbo com o fornilho cheio, sob algumas folhas de papel. Esses eram, sem dúvida, tempos sombrios.
Com um fósforo e algumas baforadas, o tabaco produzido na província da Bahia envolveu seu paladar com sabor agridoce. Não tardou para a nicotina esvaziar seus pensamentos e soltar a rigidez de seus ombros.
Dirigiu-se à pequena janela do cômodo para permitir que a fumaça se dissipasse. Lá fora, o céu era um espetáculo de vermelho vivo, laranja e púrpura, onde um dirigível se destacava como um decalque negro. No horizonte, as chaminés das fábricas competiam em altura com os prédios, exalando pesadas nuvens de fumaça em direção ao firmamento. De algumas dessas fábricas os apitos soaram para anunciar a troca de turno, mesclando-se à tempestade de sons produzidos por maquinário pesado e veículos motorizados.
Sentou-se outra vez, agora calmo. Enfiou a mão no bolso do paletó e colocou sobre a mesa o envelope verde com a insígnia imperial, marcada em cera amarela. Suor brotou de sua testa. Juntou os polegares, pronto para quebrá-lo, mas neste momento alguém do lado de fora o chamou.
— Mestre Guilherme?
— Pois não? — Escondeu o envelope sob papéis. — Pode entrar
— Professor?
O rosto de um aluno apareceu na fresta da porta, era Roberto, que o desafiou em sala. Entrou retraído após ser convidado com um gesto. Permaneceu em pé.
— Sente-se, Roberto. — O olhar inquieto conferiu se seu segredo estava bem guardado.
— Muito obrigado. Me questionava se deveria ou não vir falar com o senhor.
— Sobre qual assunto?
— Eu não queria parecer um agitador. — Referia-se ao momento em que questionou a moralidade do Império na explosão da Venezuela Espanhola. — Meus colegas disseram que minha pergunta na sala pareceu a de um agitador, mas eu garanto que sou um súdito fiel!
Guilherme forçou um sorriso, cujas laterais pesaram.
— Meu caro, você não precisa se preocupar. Seus colegas se equivocaram e seu questionamento não teve nada demais. Na verdade, a Pátria precisa de pessoas que estejam dispostas a fazer perguntas ousadas, inclusive aquelas que questionam a moralidade de suas ações.
— Verdade? — Roberto o encarou como um anjo renascentista.
— Claro que sim. Agitadores não fazem perguntas, sequer frequentam instituições como essa. — Dissimulou seus pensamentos com um novo sorriso e o aluno o imitou. — Veja, se o Império tivesse algo a esconder, certamente que perguntas ousadas seriam um problema, não é verdade?
Roberto concordou com um aceno.
— E existe algo que o Império esconda de seus súditos? — Continuou com o teatro. — Por acaso não está tudo bem documentado e disposto para quem quiser ir conferir?
— Sim, mestre, mas é claro!
Nesse momento outra pessoa bateu na porta, mas não esperou uma resposta para abrir.
— Professor? Oh, desculpe. Aguardo aqui fora — era o Comissário do Departamento da Transparência.
— Não, comissário. — Guilherme se levantou para recebê-lo. — Meu aluno já está de saída, não é mesmo?
— Sim. Sim. Já estou de saída. Inclusive… muito obrigado, mestre. — Se despediu do comissário com um aceno e sumiu cabisbaixo.
O comissário vestia uma casaca azul ferrete e trazia sobre a cabeça um cabelo ralo, penteado na tentativa de esconder a calvície. Ele entrou com o andar bamboleante por causa de sua perna mecânica, herança da Grande Guerra. A cada passo, emitia o som característico ao funcionamento de pistões, molas e engrenagens. Sua deficiência, todavia, estava escondida abaixo da calça preta e sapato lustrado com perfeição.
— Devo me preocupar com esse daí? — perguntou ele, após apertar sua mão e se sentar.
— Não, pelo menos por enquanto. Os alunos perigosos estão sempre no primeiro e no último ano.
— É a tradição. — Tirou o lenço do bolso e enxugou a testa. — Está um calor dos diabos!
— Mas a que devo a honra, comissário? — Deixou o cachimbo sobre a escrivaninha e consertou a postura.
O olhar do outro vagou pelo ambiente, ao passo que dobrava o lenço e o devolvia ao bolso.
— Rotina de sempre. Tem relatórios para entregar?
— Não, nenhum. Tudo em perfeita ordem.
— Quero que fique de olho em um aluno chamado Thiago Aloizio. Conhece?
Guilherme cruzou os braços e franziu o cenho. Revirava a memória em busca da referência.
— É um dos veteranos, o conheço sim. Qual o motivo, se me permite perguntar?
— Acreditamos que anda espalhando boatos sobre alunos desaparecidos. Sabemos que ele frequenta o famoso La Marseillaise com algumas figuras que estão na nossa mira há algum tempo, como o Símon César.
O Marseillaise era um bordel que ficava nas imediações da cidade. Todos sabem que lá é ponto de encontro para agitadores republicanos, socialistas, anarquistas e traficantes de forma geral. O Império permite o funcionamento do lugar como isca, para mapear as possíveis ameaças ou movimentos.
— Ficarei de olho nele, claro.
— Os dois olhos. Bom, então vou deixá-lo à vontade. — Se levantou, acompanhado pelo professor que o levou até a saída.
— Até mais, comissário — disse-lhe, apertando a mão.
— Ah, quase esqueci. — Estacou o passo — Essa manhã recebemos o aviso. Já estamos cientes de que você faltará na segunda para resolver assuntos oficiais.
Guilherme o encarou, o cenho se contorceu na medida de sua confusão. Olhou o calendário na parede, estreitando os olhos para encontrar a data marcada. Sua pergunta flutuou no ar com uma nota aguda:
— Faltarei?
— Não está sabendo? Ora, deve ter chegado alguma correspondência para você. Depois passa no setor administrativo e verifica isso. De qualquer forma, eu não sei do que se trata. Até mais, meu rapaz, e boa sorte.
A imagem do envelope invadiu sua mente. Sozinho outra vez, trancou a porta e o resgatou debaixo dos papéis. Seus olhos pousaram nele por um momento, antes de romper a insígnia com as mãos suadas. O coração ameaçou romper a caixa toráxica e fugir porta afora. Então, segurou a respiração e puxou a carta do interior com o mesmo cuidado que teria ao tocar um objeto de feitiço.
Leu em silêncio. O texto foi escrito pelo punho de um oficial do exército de Sua Majestade e não por uma máquina de datilografar, o que deu ao objeto um ar fulcral. Enxugou o suor da testa e pôs-se a ler mais uma vez. Era um convite. Um convite indesejado.
Uma tempestade invadiu a sala. Ainda agarrado ao papel, mirou o horizonte através da janela e observou o Sol sumir por trás do Morro da Urca.
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